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Em Pauta

Síndrome de um crescimento não planejado

Marcelo Medeiros

Publicado em 05/07/2011 às 11:06


Já não ouso chegar em uma rodinha de pessoas em algum evento de TI e comunicações e tentar lembrar onde as pessoas trabalham. “Você ainda está naquela revenda X? Não, há seis meses estou trabalhando na fabricante Z”. E assim os diálogos se repetem, com as variantes da revenda para distribuidora, de uma fabricante a outra, troca de distribuidoras e todos os “vice-versas” possíveis.  Chama a atenção também o tempo médio de permanência do profissional em cada empresa, cada vez menor. Concluo que o neutro “por onde você anda?” é a abordagem mais segura, principalmente se você ficou mais de três meses sem falar com aquela pessoa.



 



Ao refletir sobre as razões dessa volatilidade no mercado de trabalho, múltiplos pensamentos são válidos: tempos de alta competitividade, busca por melhores talentos, chegada de novas empresas ao país e aspirações profissionais da nova e impaciente geração. Mas chego à conclusão quase óbvia de que estes e outros argumentos somente mascaram o grande motivo da troca incessante de emprego: o forte crescimento do país, ainda mais acentuado no setor de TI e comunicações, que acontece de uma maneira totalmente não planejada em termos de desenvolvimento de capital humano. Ancorados em uma premissa de desenvolvimento social com estabilidade econômica, correta porém insuficiente, negligenciamos a formação acadêmica e profissional por algumas décadas. Resultado: cobertor curto para atender a todas as demandas.



 



A IBM acaba de completar 100 anos de existência bem sucedida, sendo 94 no Brasil. Durante pelo menos 70% deste tempo a cultura patronal era quase de pleno emprego e a empresa investia meses e anos no desenvolvimento de seus colaboradores. E não era a única a fazê-lo, acompanhada de outras grandes instituições. Tais empresas investiam no profissional, que retribuía com melhor qualidade de serviço e não tinha necessidade ou pretensão de trocar de emprego. No entanto, a competição não era tão grande como hoje. Mas também não era comparável o crescimento do Brasil e deste mercado. Atualmente, as empresas receiam investir no desenvolvimento de seus profissionais já sabendo que no minuto seguinte os concorrentes vão tomar proveito daquele investimento. E não investir nos profissionais diante desta grande falta de mão-de-obra especializada, também não é uma decisão sábia.



 



O ditado antigo dizia “quem tem competência se estabelece”. Hoje, até os profissionais abaixo da média são disputados. O resultado disso pode ser muito prejudicial às empresas, inflacionando o custo do funcionário, retardando o crescimento do país e ainda baixando o nível de qualidade do profissional brasileiro no cenário mundial. Como exemplos recentes dessa escassez de talentos, podemos citar a experiência da Foxconn que, ao tentar contratar cerca de 400 engenheiros, conseguiu preencher somente 175 vagas para seu investimento bilionário no Brasil.



 



O Ministro Aloízio Mercadante, da Ciência e Tecnologia, reconheceu em entrevista ao portal Terra, há duas semanas, um déficit de quase US$ 19 bilhões anuais no setor de TI e comunicações aqui no Brasil. Ao mesmo tempo em que ele anuncia vários investimentos de capital de origem chinesa e coreana, não fica claro como o Brasil vai resolver a grande síndrome do crescimento não planejado: a falta de profissionais qualificados para dar este salto quântico que tanto merecemos e precisamos. As melhores ideias sobre a mesa neste momento vêm dos extremos da pirâmide etária: de um lado, a criação de 8 milhões de vagas para o ensino médio profissionalizante, em uma tentativa de acelerar a contribuição dos jovens no mercado de trabalho. Do outro, está o retorno de milhares de aposentados à atividade produtiva para solucionar uma pequena fração do problema. Mas o que podemos fazer? Muitas coisas, incluindo a continuidade de investimento nos profissionais que temos e a implantação de programas de retenção, apesar da rotatividade potencial. Porém, nem essas nem outras iniciativas terão resultados a curto prazo. Enquanto isso, devemos estar preparados para pagar cada vez mais caro pela mão-de-obra, sem garantia de aumento proporcional de produtividade ou qualidade.



 



No final das contas, fica a dúvida: esse seria apenas um problema de um momento feliz da nossa economia? Ou um sinal de que a felicidade pode entrar em colapso brevemente se continuarmos com a passividade com que temos tratado o assunto? Provavelmente as duas coisas. Feliz julho.