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Direito Digital

LGPD: insegurança jurídica entre adiamento e vigência

Marcelo Crespo

Publicado em 05/06/2020 às 18:26

Desde agosto de
2018 há uma grande ansiedade para que a nossa lei geral de proteção de dados
entre em vigor. O momento atual da sociedade, com cada vez mais instrumentos
alimentando a economia (cada vez mais digital) e outras aplicações
tecnológicas, como as voltadas à segurança pública e, mais recentemente, com
aplicações diversas voltadas à proteção da saúde, demanda que tenhamos regramento
claro sobre o uso de dados pessoais.





Apesar disso,
desde o início do ano temos visto que existe alguma possibilidade concreta da
LGPD ser adiada, dando-se a isso cores de necessidade em razão da pandemia.





Assim, o PL 1179/2020 (Senador Antonio Anastasia do
PSD de MG) foi aprovado em único turno na sessão deliberativa do Senado
ocorrida em 03.04, nos termos das Emendas nº 85 e nº 89. Este PL que contou com
o apoio do Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, dispõe sobre o Regime
Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado
(RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19) mas, inclui no seu
bojo, a proposta de prorrogação de dispositivos da Lei Geral de Proteção de
Dados, estabelecendo que a legislação passará a vigorar em janeiro de 2021, e
suspendendo a aplicação das sanções (art. 52 ao 54) pela ANPD até agosto de
2021. Após a aprovação no Senado o texto foi enviado à Câmara dos Deputados,
que, todavia, ainda não foi colocado em pauta para votação.


  Não
fosse isso já pauta para muitos questionamentos, surpreendentemente, no dia
29.04 o Poder Executivo editou a Medida Provisória 959, publicada numa edição
especial do Diário Oficial, norma esta que adiou a vigência da LGPD para maio
de 2021, adicionando mais quatro meses à vigência prevista até então para
agosto. Esta questão pode ser discutida em perspectivas diversas, inclusive se
o instrumento processual adequado para um novo adiamento da vigência da lei é a
Medida Provisória, sob o argumento de que faltaria o requisito da 
urgência.
Como visto, haveria possível conflito com os poderes do legislativo, que possui
para discussão matéria semelhante.

 A
inconsistência atual causa enorme insegurança jurídica e traz resultados
práticos imediatos na sociedade e nas empresas. É sabido que as empresas
possuem procedimentos organizacionais internos e demandam tempo para realizar
mudanças. Os orçamentos são feitos anualmente, não havendo possibilidade de
grandes modificações baseados em “surpresas”. A estabilidade legislativa é
essencial para poderem se planejar e se adequarem corretamente às mudanças
exigidas pela nova legislação. A falta de uma Autoridade Nacional de Proteção
de Dados (ANPD) constituída e efetivamente operando já é causa suficiente de
estresse para a sociedade, e os constantes adiamentos vão de encontro aos
princípios basilares da República.

Muitas
empresas já investiram somas vultosas para mapearem os seus processos internos
e iniciarem os seus processos de adequação, e a insegurança jurídica ora
instalada pode levá-las a paralisarem esse trabalho, o que levará
inevitavelmente a novos dispêndios e retrabalho quando chegar-se a um momento
de maior certeza.

 Desde
aquele longínquo 14 de agosto de 2018 (sanção presidencial da LGPD) foram
muitas idas e vindas e, especialmente agora em razão da pandemia, há claras
tentativas de se flexibilizar direitos fundamentais. É necessário, pois, que o
país possua finalmente sua legislação de proteção de dados vigente, com uma
Autoridade Nacional atuante, e que possa elaborar diretrizes para que a
sociedade, empresas e órgãos públicos possam se valer dos necessários
tratamentos de dados pessoais, que proteja os cidadãos e a saúde pública, sem
que esses dados pessoais se percam em meio à burocracia estatal e sejam
utilizados para finalidades diversas daquelas necessárias neste momento.

 A
incerteza trazida por debates sobre o adiamento é ruim para a segurança
jurídica e para os negócios em geral. Faz, além disso, a lei perder o caráter
de importância, enfraquecendo-a e impedindo que direitos fundamentais sejam
protegidos e negócios postergados. Que tenhamos menos incertezas jurídicas e
que a LGPD possa, enfim, entrar em vigor.